domingo, 13 de setembro de 2009

TEMPOS MODERNOS

(por Diogo Ribeiro)

Durante séculos, o ser humano buscou a superação de si mesmo. Acelerou radicalmente o processo tecnológico, sempre atrás de substituir ou aperfeiçoar algo que já havia criado, mais ou menos como a natureza faz durante o processo de evolução das espécies. A diferença é que, enquanto a natureza leva séculos, milênios para fazer isso, o homem faz em anos, ou até meses. Se for comparado o tempo de existência do planeta Terra no Universo com o do ser humano, percebe-se o quanto isso é verdadeiro. Enquanto o mundo tem alguns bilhões de anos, o surgimento do homem moderno data de 100.000 anos, um período ínfimo perto da idade do planeta. O mais incrível é que nesse curto período o ser humano já dominou a Terra - é "o dono do mundo". Com tantas acelerações radicais, o que nos espera nesse próximo milênio? O homem ainda é o dominador, ou será que as máquinas já estão em processo de igualdade? Já podemos perceber que influência das tecnologias é determinante na maneira de viver do ser humano moderno.

Os novos aparatos eletrônicos agilizam e aceleram o cotidiano, trazendo como resultado uma vida humana mais dinâmica. Contraditoriamente, o homem parece ter, hoje, menos tempo livre do que tinha há alguns anos quando não dispunha de todas essas facilidades neotecnológicas.

O texto deste site foi retirado de um trabalho desenvolvido durante o curso de História do Cinema na Universidade de Brasília, durante o primeiro semestre letivo de 2000, no qual apresentei uma análise do filme "Tempos Modernos", de Charles Chaplin . Os comentários feitos no primeiro parágrafo deste texto tomam corpo à medida em que se entra em contato com o tema central do filme: o esmagamento sofrido pelo indivíduo num mundo racionalizado e a impossibilidade de sobrevivência de um espírito livre e alegre no planeta da mecanização, dos grandes negócios, da polícia - braço direito opressor do Estado...

Obra-prima do cinema mundial, "Tempos Modernos" satiriza a vida industrial: Carlitos, o adorável vagabundo, é um operário de uma fábrica supermoderna. Carlitos entra em crise, perde o emprego e é obrigado a partir para a briga contra um mal da vida moderna: o desemprego. A sátira à industrialização é feita de forma engraçada, mas triste. Afinal, nem sempre a verdade é bela e feliz. Mas pode ser engraçada.

RESUMO DO FILME


por Diogo Ribeiro



Tempos Modernos é uma história sobre
a indústria, a iniciativa privada e a
humanidade em busca da felicidade.

(Charles Chaplin, em frase no início do filme)


O filme conta a história de um operário e uma jovem. O primeiro (Charles Chaplin) é um operário empregado de uma grande fábrica. Esse operário desempenha o trabalho repetitivo de apertar parafusos. De tanto apertar parafusos, o rapaz tem problemas de stress e, estafado, perde a razão de tal forma que pensa que deve apertar tudo o que se parece com parafusos, como os botões de uma blusa, por exemplo. Ele é despedido e , logo em seguida, internado em um hospital. Após ficar algum tempo internado, sai de lá recuperado, mas com a eterna ameaça de estafa que a vida moderna impõe: a correria diária, a poluição sonora, as confusões entre as pessoas, os congestionamentos, as multidões nas ruas, o desemprego, a fome, a miséria...

Logo que sai do hospital, se depara com a fábrica fechada. Ao passar pela rua, nota um pano vermelho caindo de um caminhão. Ao empunhar o pano na tentativa de devolvê-lo ao motorista do caminhão, atrai um grupo enorme de manifestantes que passava por ali. Por engano, a polícia o prende como líder comunista, simplesmente pelo fato de ele estar agitando um pano vermelho, parecido com uma bandeira, em frente a uma manifestação. Após passar um tempo preso, o operário é solto pela polícia por agradecimento, uma vez que ajudou na prisão de um traficante de cocaína que tentava fugir da prisão.

Nesse momento, surge a outra personagem do filme, "a moça – uma menina do cais que se recusa a passar fome". A jovem (Paulette Goddard), vivendo na miséria, tem de roubar alimentos para comer, pois, além disso, mora com as suas duas irmãs menores, seu pai está desempregado e as três são órfãs de mãe. O pai morre durante uma manifestação de desempregados e as duas pequenas são internadas em um orfanato. A moça foge para não ser internada e volta a roubar comida. Numa de suas investidas, ela conhece o operário: depois de roubar o pão de uma senhora, a polícia vai prendê-la e o operário assume a autoria do assalto. A polícia o prende , mas o solta em seguida após descobrir o engano. Quando vê a moça sendo presa, o operário arma um esquema para ser preso também: rouba comida em um restaurante. São colocados no mesmo camburão e, durante um acidente com o carro, os dois fogem e vão morar juntos.

O operário, nosso querido Carlitos, procura emprego e consegue um como segurança em uma loja de departamentos. Logo é despedido por não ter conseguido evitar um assalto e por dormir no serviço. No entanto, consegue emprego numa outra fábrica, consertando máquinas. Durante uma greve na fábrica, Carlitos é preso mais uma vez, agora por "desacato à autoridade policial". Alguns dias depois, ele é liberado e a jovem o espera na saída da prisão para levá-lo a nova casa – um barraco de madeira perto de um lago. A jovem consegue, então, emprego em um café com dançarina e arruma outro para Carlitos, só que como garçom/ cantor. Os dois são um sucesso, principalmente Carlitos que, durante uma improvisação de uma música, arranca milhares de aplausos dos presentes ao café.

Para estragar a festa, no entanto, surge novamente a polícia, desta vez com uma caderneta com os dados da moça e uma ordem para prender a jovem num orfanato. Carlitos e moça fogem e terão de começar tudo novamente...

BREVE BIOGRAFIA DE CHAPLIN


1889 - Nasce no dia 16 de abril, às 20 horas, em East Lane, Walworth, Londres, filho dos artistas de variedades Hannah e Charles Chaplin.

1895 - Estréia no teatro, cantando Jack Jones . Participa da companhia The Eight Lancashire's Lads . O garoto treina para acrobata, mas uma queda faz com que desgoste do circo.

1896 - Hannah Chaplin é hospitalizada para tratar de uma depressão nervosa. Charles e seu irmão Sydney passam dois anos num orfanato.

1901 - Morre seu pai, vitimado de alcoolismo.

1900 a 1911 - Trabalha em diversas peças de teatro, como Peter Pan, Sherlock Holmes e O gato de botas . Vai para a companhia London Comedians, de Fred Karno, onde permanece até 1911. Viaja pela primeira vez aos EUA com a companhia de Karno.

1912/1913 - Em sua segunda viagem aos Estados Unidos, alcança grande sucesso. É contratado pela Keystone Comedy Film para trabalhar como ator de cinema pelo período de um ano, com o salário de 150 dólares semanais.

1914 - Cria o personagem Carlitos e faz diversos filmes. Entre eles: Carlitos repórter, Corrida de automóveis para meninos, Carlitos dançarino, Carlitos e Mabel assistem às corridas etc.

1915 - Assina um contrato semanal de 1250 dólares com a Essanay para todo o ano. Todos os seus filmes passam a ser escritos e dirigidos por ele mesmo. Alguns filmes desse ano: Carlitos se diverte, Campeão de Boxe, O vagabundo, Carlitos em apuros etc.

1916 - Assina com a Mutual um contrato de 670 mil dólares para a realização de 12 filmes durante um ano. Alguns títulos produzidos: Carlitos no armazém, Carlitos bombeiro, Carlitos patinador , dentre outros.

1918 - Assina contrato com a First National e inaugura o seu próprio estúdio em Hollywood. Casa-se em outubro com a atriz Mildred Harris.

1920 - Divorcia-se de Mildred Harris.

1921 - Estréia O garoto e A classe ociosa.

1922 - Hannah Chaplin se junta aos filhos nos EUA e se instala em Santa Mônica.

1924 - Casa-se com Lolita Mac Murray, conhecida por Lita Gray.

1925 - Estréia de A corrida do ouro. Nasce o seu primeiro filho, Sydney Chaplin.

1927 - Divorcia-se de Lita Gray.

1931 - Estréia de Luzes da cidade.

1933 - Casa-se com Paulette Goddard.

1936 - Estréia de Tempos modernos.

1940 - Estréia de O grande ditador.

1941 - Divorcia-se de Paulette Goddard.

1943 - Casa-se com Oona O'Neill.

1947 - Estréia de Monsieur Verdoux.

1952 - Vai para a Europa. Estréia de Luzes da Ribalta.

1954 - Ganha o Prêmio Internacional da Paz.

1957 - Estréia do filme Um rei em Nova York

1962 - Recebe o título de doutor honoris causa pela Universidade de Oxford.

1966 - Realiza seu último filme: A condessa de Hong Kong.

1968 - Suicídio de seu filho Charles Chaplin Jr.

1972 - Recebe dos americanos o prêmio Oscar de Cinematografia.

1975 - Recebe o grau de Cavaleiro da rainha inglesa Elizabeth II .

1977 - Falece, aos 88 anos, no dia de natal.

fonte: CLARET, Martin (Coord.). O pensamento vivo de Chaplin. São Paulo, Martin Claret Editores, 1986.

HISTÓRICO DO FILME


Por volta de 1932, Chaplin começou a trabalhar na história do filme que, a princípio, iria se chamar The Masses ( "As massas"). Durante o outono, seu amigo Joseph Shenck apresentou-lhe Paulette Goddard e Chaplin a contratou para o seu próximo filme. Paulette e Chaplin foram os protagonistas de Tempos Modernos. Em 1933 casou-se em segredo com ela, durante um cruzeiro.

Em 1934 terminou de escrever a história e, em outubro do mesmo ano, começou a filmá-la. No estúdio da avenida La Brea, modernizado e sonorizado, foram construídos vários cenários, sendo o mais importante o da fábrica. No bairro do porto em Los Angeles, outro grande cenário foi construído, só que este aberto, representando um bairro operário. Esse cenário chegou a cobrir dois hectares do terreno.

A filmagem e montagem terminaram em 1935. A mise-en-scène levou 10 meses , no total, para ficar pronta. No outono desse ano, Chaplin escreve a partitura das músicas do filme. Teve, nessa etapa, a ajuda de Alfred Newman, Edward Powell e David Raskin para o arranjo e a orquestração.

No dia 5 de fevereiro de 1936, o filme Modern Times ("Tempos Modernos") estréia no Rivoli Theatre, de Nova York.

Tempos Modernos custou um milhão e meio de dólares, sendo 500.000 somente para a construção da grande máquina em que Chaplin é engolido com Chester Conklin (ator do filme, fez o papel de um operário mecânico.). O filme, recebido friamente pela crítica americana (foi acusado de comunista), rendeu apenas um milhão e oitocentos mil dólares nos Estados Unidos. Foi proibido na Itália e na Alemanha, mas alcançou grande sucesso na Inglaterra, na França e na União Soviética.

FICHA TÉCNICA DO FILME

Nome original: Modern Times
Direção: Charles Chaplin
Assistentes: Carter De Haven e Henry Bergman.
Cenografia: Charles D. Hall e Russel Spencer
Fotografia: Rollie Totheroh e Ira Morgan
Música: composta por Charles Chaplin, sob arranjo de Alfred Newman, Edward Powell e David Raksin.
Atores principais: Charles Chaplin ( um operário) e Paullete Goddard ( a jovem).
Atores coadjuvantes: Henry Bergman (o dono do café), Chester Conklin (o mecânico) , Allan Garcia (o diretor da fábrica), Stanley Sanford (outro operário), Hank Mann (um prisioneiro), Lloyd Ingraham (o diretor da prisão), Louis Natheaux, Wilfred Lucas, Heinie Conklin, Edward Kimball, John Rand, Murdock McQuarrie, Dick Alexander, Cecil Reynolds, Myra McKinney, Ed le Sainte, Fred Malatesta, Sam Stein, Juana Sutton, Stanley Blystone e Ted Oliver.

ARTIGOS E ENSAIOS



Neste blog são encontrados artigos, ensaios, textos diversos, sendo alguns escritos pelo dono do blog. Tais textos trazem como tema o filme Tempos Modernos em si e/ou a temática do mesmo, que é a modernidade e suas consequências para a vida humana. Aqui também é o espaço para os que desejam publicar textos a respeito de Tempos Modernos ou do tema abordado por ele. Para tanto, é preciso apenas enviar um e-mail para deogus@yahoo.com.br . É importante que se saiba, no entanto, que todos os textos enviados serão previamente lidos antes de serem publicados no blog.

Qualquer semelhança é mera coincidência


(por Diogo Ribeiro)

Tempos Modernos parece ter servido como fonte de inspiração a diversos filmes. Por diversas vezes, há trechos do filme que lembram outros que foram produzidos depois dele.

Numa de suas mais famosas cenas, Chaplin enfrenta traficantes na prisão. A forma como briga com os bandidos, batendo suas cabeças contra as portas e contra outras cabeças e a forma como desvia dos tiros dados pelo bandido são inconfundíveis. Para o observador da cena, basta vestir o Carlitos com uma capa vermelha, um uniforme azul com um "S" estampado no peito e pronto: lá está o Superman!

A reprodução repetitiva, a produção em escala que torna homem "apenas mais um tijolo no muro", como diz a música Another brick in the wall, do Pink Floyd, não deixa as pessoas pensarem. Numa das primeiras cenas de Tempos Modernos, um rebanho de ovelhas corre em uma direção – todas são iguais. Em seguida, uma multidão de pessoas andando juntas se parecem todas iguais – com o mesmo biotipo e roupa. Não se consegue perceber os rostos cobertos pelos chapéus. Algo parecido é visto no filme The Wall , do Pink Floyd. Durante uma cena, com a música Another brick in the wall ao fundo, ocorre uma produção de alunos em série, como se estes fossem artefatos de uma fábrica.

Vendo o filme de Chaplin, e observando-se a escassez forçada do tempo por causa da repressão do diretor da fábrica que monitora todos os funcionários por meio de telas de vídeo nas paredes lembra e muito, o terrorismo aplicado pelo Big Brother aos componentes do "Partido" na história de George Orwell. Em 1984, livro de Orwell escrito nos anos 40 (depois virou filme), o Big Brother é um ditador que monitora a vida das pessoas por meio de "tele-telas" (como as telas de vídeo de Tempos Modernos). Tais "tele-telas" estão presentes até nas casas das pessoas, ou seja, interfere-se até em suas vidas íntimas. Todos vivem sob uma enorme tensão. Em Tempos Modernos, por exemplo, a obsessão do diretor da fábrica é tanta que há telas de vídeo até nas paredes do banheiro, numa prova clara de invasão de privacidade. Assim como Tempos Modernos, 1984 também conta a história de pessoas que são subordinadas a outras que estão em posição hierárquica superior. Se em 1984 há um Big Brother obrigando as pessoas a trabalhos repetitivos e contribuindo para a sua alienação, uma vez que, com muito trabalho não se sobra tempo para pensar e questionar, em Tempos Modernos há o diretor da fábrica que faz o mesmo.

E quem não se lembra das cenas em que o Pernalonga e o Patolino eram engolidos por máquinas enquanto produziam bombas em um desenho animado? A cena mais famosa de Tempos Modernos é aquela em que Carlitos é devorado pelas máquinas e passa por toda a engrenagem delas.

Num mundo onde a maquinização é um processo cada vez mais forte e as novas tecnologias acabam por tirar o emprego do homem e tomar o seu lugar, Chaplin ironiza tal processo numa cena em que uma máquina de alimentar funcionários é anunciada ao diretor da fábrica por um vendedor mecânico. Na hora da propaganda, tudo funciona direito, porém, na prática, a máquina é um desastre, dando a entender que, felizmente, há coisas que somente as pessoas podem fazer. Entretanto, tal cena não seria um prenúncio da invasão das máquinas e da formação de um mundo virtual, onde o homem não passa de mero coadjuvante de seres robóticos? Chega o século XXI: o mundo real, da maneira como era concebido em 1999, não existe mais a não ser em uma realidade virtual. Os seres humanos são todos condicionados a pensar que as coisas não mudaram e estão todos vivendo uma alucinação forçada. Existem duas realidades: uma é a do mundo real, da qual todos fazem parte, mas não tomam conhecimento e a outra é a realidade virtual, ordenada pela tecnologia, realidade essa que as pessoas acreditam viver. A vida, da forma como era, não existe mais. Só o que existe é Matrix. Em Matrix, as máquinas são o Estado, dominaram o mundo. Todo o mal é causado por elas, mas tem sua origem na ganância humana, que construiu as máquinas. E Chaplin bem que tentou avisar...

Qualquer semelhança é mera coincidência...

"Tempos modernos": o fim de Carlitos e do cinema mudo em Chaplin

(Por Diogo Ribeiro)

Tempos Modernos é o último filme estrelado pelo vagabundo. Carlitos foi devorado pela crise "financeiro-emocional-político-moderna e etcteriana" vivida pelas pessoas nos dias de hoje. O vagabundo teve de sair à procura de emprego... Tempos Modernos é um filme engraçado, mas não alegre. Nessa obra-prima do cinema mundial, Charles Chaplin descreve a profunda melancolia da vida moderna com boas doses de humor provocadas por seu personagem Carlitos .

O relógio, ícone dos dias atuais, "corre corre corre" empurrando o tempo para frente. Os homens, enlouquecidos, voam atrás do tempo que não desejam perder. O tempo, rindo de toda essa bobagem, passa ainda mais rápido, deixando esses pobres comendo poeira. Nessa eterna luta contra o tempo, os seres humanos desgastam suas relações interpessoais, tornando-as cada vez mais frias, duras e impessoais. Afinal, se "eu não tenho tempo nem pra mim, vou ter para as outras pessoas?" – é o pensamento egoísta da época moderna. A rapidez é essencial nessa vida desses seres modernos. O tempo, sarcasticamente, continua rindo: "corram, ou devoro-os!!!" O homem, então, constrói máquinas para agilizar e apressar a sua vida. Surgem as grandes indústrias, com o seu massacrante processo de reprodução mecânica. Máquinas trabalhando, homens desempregados e, é claro, dinheiro para os grandes empresários – donos das máquinas. Para os governos, ótimo: mais dinheiro para as suas "máquinas do Estado".

Com toda essa confusão, o Carlitos, coitado, enlouquece. Corre, como os outros mortais, atrás de emprego. Como quem tem emprego pode se tornar um desempregado, Carlitos também assume o outro lado da moeda. Estando desempregado, chega a roubar para comer. Quem diria, até cantou!!!! Certa vez, alguém chamado Villegas López, disse em uma frase algo que resume tudo isso: "Em Tempos Modernos não temos mais o drama de Carlitos, mas Carlitos vivendo o nosso drama".

Tempos Modernos é o primeiro filme em que Chaplin fez uso de efeitos sonoros. A partir desse filme, até discurso falado ele fez (O Grande ditador) . Podemos dizer, então, que Tempos Modernos é um filme de transição na carreira de Chaplin: do cinema mudo para o moderno cinema falado. Entretanto, deve-se considerar Tempos Modernos ainda um filme mudo, melhor, um filme com a proposta de ser um meio termo para a fase que o cinema já vivia, uma vez que, nessa época, o cinema falado já dava seus gritos adolescentes. "Enquanto a maioria dos artistas vindos do music hall para o cinema do início do século, Chaplin foi o único que se manteve fiel, diante das câmeras, aos tradicionais gags e maneirismos da farsa inglesa do século XIX". A sonorização de Tempos Modernos, contudo, feita pelo próprio Chaplin, é perfeita. Duas músicas do filme fizeram muito sucesso fora da tela: a canção-tema e uma canção feita com palavras ininteligíveis que Carlitos inventou na hora. Foi nessa canção que a voz de Chaplin foi ouvida pela primeira vez na tela. Apesar da confusão causada pela linguagem pouco inteligível, percebe-se, segundo Cony (1967), o estribilho "Vou atrás de Titine". Fellini, ao fazer I Vitelloni, homenageou Chaplin incluindo esta canção em seu filme.

Esse é o primeiro filme em que ouvimos a voz de Carlitos e o último que o vimos atuar. Terá sido Carlitos engolido pela modernidade?

O último discurso



(Por Charles Chaplin)

"Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar - se possível - judeus, o gentio ... negros ... brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover todas as nossa necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém, nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar em passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: "Não desespereis!" A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos tratam como um gado humano e que vos utilizam como carne para canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Luteis pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas é escrito que o Reino de Deus está dentro do homem - não de um só homem ou um grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder - o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto - em nome da democracia - usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém, escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos encontrando um mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos Hannah! Ergue os olhos!"

Drummond fez o poema abaixo em homenagem a Charles Chaplin. Eis o que o nosso "poeta-maior" disse a respeito desse poema em uma entrevista concedida com exclusividade a Cristina Serra e publicada no periódico cultural Leia nº 82 (uma publicação da Cia Editora Joruês – de São Paulo), de agosto de 1985.

LEIA— Esse processo de elaboração demora muito tempo?

Drummond — Hoje eu quase não faço poemas longos. Mas, quando eu fazia, às vezes aquilo exigia uma volta ao poema durante alguns dias. Por exemplo, Canto ao homem do povo Charlie Chaplin, eu levei uns quinze dias fazendo. Mas, nesse caso, a emoção inicial, por assim dizer, sustentou a operação seguinte. Eu não sentia a emoção da primeira vez, mas sentia uma espécie de desafio, que eu mesmo me tinha imposto, no sentido de concluir um trabalho que fosse uma visão global da obra de Chaplin, com tudo que eu lembrava dele, que eu vi nos filmes antigos. Como um outro sobre o padre e a moça, que foi tirado de uma história que eu li numa revista: um padre furtou uma moça e se refugiou com ela numa gruta, na Bahia, para fugir à ira popular. As pessoas acenderam lenha na entrada da gruta e mataram os dois sufocados. Essa história me impressionou muito e eu passei vários dias fazendo esse poema, porque eu queria variar de ritmo, escrever versos pequenos, versos maiores, entremeados, fazendo uma espécie de colagem, que interessasse também pelo aspecto técnico. Mas, em geral, o meu negócio é fazer na hora. Não dura mais que meia-hora, uma hora.

OBS: devo agradecer a valiosa colaboração de Ecival Carvalho dos Santos, meu amigo, pela boa sugestão de adicionar o poema de Drummond ao meu site e por ter fornecido gentilmente a entrevista de Drummond para uso nesta página. Gostaria de agradecer também ao site Cultura Brasileira (http://www.culturabrasil.pro.br ) pelo íntegra do texto Canto ao Homem do Povo Charles Chaplin.

Diogo Ribeiro

Canto ao Homem do Povo - Charles Chaplin



Carlos Drummond de Andrade



I



Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,

era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravatas mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,

era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.

Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,

vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.

Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,
e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,
e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,
só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.

Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti
como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.

Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.

Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração,
os parias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os indecisos, os líricos, os cismarentos,
os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.

E falam as flores que tanto amas quando pisadas,
falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões,
os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas,
cada troço, cada objeto do sótão, quanto mais obscuros mais falam.


II



A noite banha tua roupa.

Mal a disfarças no colete mosqueado,

no gelado peitilho de baile,

de um impossível baile sem orquídeas.


És condenado ao negro. Tuas calças

confundem-se com a treva. Teus sapatos

inchados, no escuro do beco,

são cogumelos noturnos. A quase cartola,

sol negro, cobre tudo isto, sem raios.


Assim, noturno cidadão de uma república

enlutada, surges a nossos olhos

pessimistas, que te inspecionam e meditam:


Eis o tenebroso, o viúvo, o inconsolado,

o corvo, o nunca-mais, o chegado muito tarde

a um mundo muito velho.


E a lua pousa

em teu rosto. Branco, de morte caiado,

que sepulcros evoca mas que hastes

submarinas e álgidas e espelhos

e lírios que o tirano decepou, e faces

amortalhadas em farinha. O bigode

negro cresce em ti como um aviso

e logo se interrompe. É negro, curto,

espesso. O rosto branco, de lunar matéria,

face cortada em lençol, risco na parede,

caderno de infância, apenas imagem

entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe,

sozinha, experiente, calada vem a boca

sorrir, aurora, para todos.


E já não sentimos a noite,

e a morte nos evita, e diminuímos

como se ao contato de tua bengala mágica voltássemos

ao país secreto onde dormem os meninos.

Já não é o escritório e mil fichas,

nem a garagem, a universidade, o alarme,

é realmente a rua abolida, lojas repletas,

e vamos contigo arrebentar vidraças,

e vamos jogar o guarda no chão,

e na pessoa humana vamos redescobrir

aquele lugar - cuidado! - que atrai os pontapés: sentteenças

de uma justiça não oficial.



III



Cheio de sugestões alimentícias, matas a fome

dos que não foram chamados à ceia celeste

ou industrial. Há ossos, há pudins

de gelatina e cereja e chocolate e nuvens

nas dobras do teu casaco. Estão guardados

para uma criança ou um cão. Pois bem conheces

a importância da comida, o gosto da carne,

o cheiro da sopa, a maciez amarela da batata,

e sabes a arte sutil de transformar em macarrão

o humilde cordão de teus sapatos.


Mais uma vez jantaste: a vida é boa.

Cabe um cigarro: e o tiras

da lata de sardinhas.



Não há muitos jantares no mundo, já sabias,

e os mais belos frangos

são protegidos em pratos chineses por vidros espessos.

Há sempre o vidro, e não se quebra,

há o aço, o amianto, a lei,

há milícias inteiras protegendo o frango,

e há uma fome que vem do Canadá, um vento,

uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha

baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida

que mal decifras

o cristal infrangível. Entre a mão e a fome,

os valos da lei, as léguas. Então te transformas

tu mesmo no grande frango assado que flutua

sobre todas as fomes, no ar; frango de ouro

e chama, comida geral, que tarda.




IV




O próprio ano novo tarda. E com ele as amadas.

No festim solitário teus dons se aguçam.

És espiritual e dançarino e fluido,

mas ninguém virá aqui saber como amas

com fervor de diamante e delicadeza de alva,

como, por tua mão a cabana se faz lua.

Mundo de neve e sal, de gramofones roucos

urrando longe o gozo de que não participas.

Mundo fechado, que aprisiona as amadas

e todo o desejo, na noite, de comunicação.

Teu palácio se esvai, lambe-te o sono,

ninguém te quis, todos possuem,

tudo buscaste dar, não te tomaram.



Então encaminhas no gelo e rondas o grito.

Mas não tens gula de festa, nem orgulho

nem ferida nem raiva nem malícia.

És o próprio ano-bom, que te deténs. A casa passa

correndo, os copos voam,

os corpos saltam rápido, as amadas

te procuram na noite... e não te vêem,

tu pequeno, tu simples, tu qualquer.


Ser tão sozinho em meio a tantos ombros,

andar aos mil num corpo só, franzino,

e ter braços enormes sobre as casas,

ter um pé em Guerrero e outro no Texas,

falar assim a chinês a maranhense,

a russo, a negro: ser um só, de todos,

sem palavra, sem filtro,
sem opala:
há uma cidade em ti, que não sabemos.


V



Uma cega te ama. Os olhos abrem-se.
Não, não te ama. Um rico, em álcool,
é teu amigo e lúcido repele
tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos
o que há de água, de sopro e de inocência
no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos
que cultuamos, falsos: flores pardas,
anjos desleais, cofres redondos, arquejos
poéticos acadêmicos; convenções
do branco, azul e roxo; maquinismos,
telegramas em série, e fábricas e fábricas
e fábricas de lâmpadas, proibições, auroras.
Ficaste apenas um operário
comandado pela voz colérica do megafone.
És parafuso, gesto, esgar.
Recolho teus pedaços: ainda vibram,
lagarto mutilado.

Colo teus pedaços. Unidade
estranha é a tua, em mundo assim pulverizado.
E nós, que a cada passo nos cobrimos
e nos despimos e nos mascaramos,
mal retemos em ti o mesmo homem,
aprendiz
bombeiro
caixeiro
doceiro
emigrante
forçado
maquinista
noivo
patinador
soldado
músico
peregrino
artista de circo
marquês
marinheiro
carregador de piano
apenas sempre entretanto tu mesmo,
o que não está de acordo e é meigo,
o incapaz de propriedade, o pé
errante, a estrada
fugindo, o amigo
que desejaríamos reter
na chuva, no espelho, na memória
e todavia perdemos


VI



Já não penso em ti. Penso no ofício
a que te entregas. Estranho relojoeiro
cheiras a peça desmontada: as molas unem-se,
o tempo anda. És vidraceiro.
Varres a rua. Não importa
que o desejo de partir te roa; e a esquina
faça de ti outro homem; e a lógica
te afaste de seus frios privilégios.

Há o trabalho em ti, mas caprichoso,
mas benigno,
e dele surgem artes não burguesas,
produtos de ar e lágrimas, indumentos
que nos dão asa ou pétalas, e trens
e navios sem aço, onde os amigos
fazendo roda viajam pelo tempo,
livros se animam, quadros se conversam,
e tudo libertado se resolve
numa efusão de amor sem paga, e riso, e sol.

O ofício é o ofício
que assim te põe no meio de nós todos,
vagabundo entre dois horários; mão sabida
no bater, no cortar, no fiar, no rebocar,
o pé insiste em levar-te pelo mundo,
a mão pega a ferramenta: é uma navalha,
e ao compasso de Brahms fazes a barba
neste salão desmemoriado no centro do mundo oprimido
onde ao fim de tanto silêncio e oco te recobramos.

Foi bom que te calasses.
Meditavas na sombra das chaves,
das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame,
juntavas palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas,
anotavas com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta
de mil, os braços cruzados de mil.

E nada dizias. E um bolo, um engulho
formando-se. E as palavras subindo.
Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo.
Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopros exaustos.
Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,
crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos ditadores,
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode
caminham numa estrada de pó e de esperança.

TEMPOS MODERNOS - COMO SE PRODUZ A DESIGUALDADE


Por MAGRU FLORIANO (magru@cehcom.univali.br ou magru@mailbr.com.br )

Sátira mordaz à vida industrial... aqui Chaplin interpreta o empregado de uma fábrica supermoderna, que entra em crise, perde o emprego e é obrigado a enfrentar a depressão americana .

TEMPOS MODERNOS foi produzido no ano de 1936 e se constitui em uma das mais expressivas críticas que o cinema promoveu, tendo como tema central a sociedade industrial capitalista. Nenhuma questão relevante passou despercebida à inteligência crítica de Charles Chaplin, que em 87 minutos sintetizou a agonia secular de uma maioria oprimida e marginalizada - a classe trabalhadora. Não constitui obra do acaso, o fato deste ter sido o último filme em que Chaplin trabalha o personagem do vagabundo Carlitos, já que é uma síntese perfeita da sua visão sobre o Capitalismo, que vinha apresentando ao público em conta-gotas.

O filme inicia mostrando ao fundo um grande relógio, o símbolo maior dos Tempos Modernos. Tempo é dinheiro e reside aí o espírito do capitalismo. Um passo à frente, temos um rebanho de gado-gente, correndo desesperado para o abatedouro-fábrica. Chaplin não esconde sua visão da bestialidade humana. Gente que se submete a viver amontoada, sem propósito, como gado domesticado. Mais do que o Capitalismo, critica profundamente a Sociedade Industrial, seu ritmo alucinante, a falta de qualidade de vida e seus propósitos irracionais. Evidencia que a velocidade da máquina não pode ser a velocidade do ser humano, sob pena de não termos mais seres humanos, apenas bestas humanas.

O relógio, as pessoas caminhando como gado, já seriam elementos suficientes para analisarmos com mais consciência o sistema de vida proporcionado pela visão industrial-capitalista. Mas, ele aprofunda ainda mais esta sua crítica ao abordar, com detalhes, a questão da Linha de Montagem e suas seqüelas desastrosas na psique humana. O esforço humano em trabalhar como um relógio, dentro de um sistema de repetição mecânica, contínua e cronometrada, acaba por levar a pessoa a ficar com sérios problemas neurológicos e psicológicos. Os mais fortes acabam sobrevivendo como se fossem máquinas, em um cotidiano sem esperança, criatividade ou alegria, onde a única atividade é a repetição de um par de gestos mecânicos simples.

Como conseqüência direta da implantação da Linha de Montagem e a busca sistemática do seu aperfeiçoamento, visando unicamente a produção, temos uma lógica produtiva que desqualifica, em pouco tempo, muitos trabalhadores como mão-de-obra apta para o sistema. Estas pessoas mais sensíveis à ação danosa do Fordismo-Taylorismo, são peremptoricamente levadas para Instituições-Depósito, como é o caso dos hospitais, asilos, manicômios e até penitenciárias - dependendo de cada caso e da resposta de desajustamento social dada pelo trabalhador vítima do sistema estressante e alienante .

Nenhuma outra obra de arte conseguiu expressar melhor este sentimento de impotência que a maioria oprimida sente diante dos mecanismos impessoais do sistema capitalista-industrial, como no quadro em que Carlitos é literalmente tragado pela grande máquina. Cena bela e extraordinariamente repleta de significado: o homem moderno absorvido por completo, de forma paralisante, pelas engrenagens do sistema. O homem devorado pela máquina, por ela é usado até o seu limite. Trocando de papéis, a máquina faz do homem uma máquina, que ao chegar ao seu esgotamento físico é jogada na lixeira do mundo produtivo - as Instituições-depósito.

Este é o lado mais cruel da sociedade industrial, um monstro devorador de vidas. A máquina aparece como um Capitão-do-mato que se mudou para a cidade. Os escravos agora passam a responder pelo nome de trabalhadores ou proletários. Esta maioria é vista pelo patrão como um grande ônus, sendo que todo o esforço do capitalista, proprietário das máquinas, vai ser no sentido de tirar o máximo proveito possível da relação homem-máquina, considerando mais as perdas advindas com o uso inadequado da máquina do que com questões sobre o trabalhador e a sociedade como um todo.

A sociedade capitalista vai explorar ao máximo a força de trabalho, contando para isso com diversos APARELHOS DE ESTADO, como os Aparelhos Ideológicos: Meios de Comunicação (TV, rádio, jornal, revista, internet...), Igreja, Escola; e os Aparelhos Coercitivos: Polícia, Justiça, Forças Armadas, etc. O Estado então, não é uma força política neutra, que vai gerir a coisa pública em nome de todos e em benefício de todos; mas, irá garantir a dominação de classe. Isto é, vai consolidar a exploração da maioria não proprietária dos meios de produção, por uma minoria proprietária do Capital e dos Meios de Produção (máquinas, prédios, terras, matéria prima).

Utilizando da aparência de instituições neutras, Aparelhos Ideológicos como a polícia, vão trabalhar incessantemente para proteger os interesses do capital, contra a revolta da classe explorada, marginalizada e despossuída. Em Tempos Modernos, são inúmeras as vezes que Chaplin evidencia esse papel ideológico das instituições, como é o caso da polícia reprimindo greves, manifestações de desempregados, ou até prendendo uma menina faminta por ter furtado um pedaço de pão. Em nenhum momento o patrão desalmado que tanto explora e do dia para a noite coloca na rua da amargura milhares de trabalhadores, é molestado pela polícia. Esta vai reprimir uma menina que se recusa a morrer de fome ou ser enterrada viva em um orfanato.

Um dos pontos cruciais da obra-prima de Chaplin diz respeito à questão do consumo e a expectativa que a sociedade industrial traz para as pessoas quanto à posse do maior número possível de gêneros. Carlitos e sua namorada, quando entram em uma Loja de Departamentos pela primeira vez em suas vidas, primeiramente vão até a confeitaria saciar a fome e a sede, para logo em seguida se dirigirem ao quarto andar, onde estão os brinquedos. Da infância feliz que não tiveram, passam para as roupas e móveis, que como adultos também jamais terão condições de possuir. Ao casal pobre resta o consolo de sonhar. Para um sistema que se diz de Pleno Consumo, eis aí uma crítica forte e consistente.

Chaplin reforça a frustração do não consumo em uma sociedade baseada no consumo, quando o seu personagem propõe à namorada pensar como eles seriam felizes morando em uma casa de classe média. Idealiza um casal feliz, com fartura à mesa. Tudo ilusão, é claro! Pois, para a classe a que pertencem, sobra no máximo um barraco velho e abandonado na periferia da cidade.

Ponto importante para reflexão, são as respostas diferentes que os vários personagens deram diante das dificuldades que enfrentaram durante o período de recessão que os EUA vivenciaram na década de vinte, a GRANDE DEPRESSÃO. Enquanto a menina promovia pequenos furtos, seu pai procurava emprego honestamente, ao mesmo tempo que participava dos movimentos operários que tinham como objetivo pressionar o Estado a resolver a crise econômica. Já Carlitos, por ser mão-de-obra não especializada, diante da realidade crua do desemprego, optou por se esforçar ao máximo para ficar na cadeia, onde pelos menos tinha garantida moradia e alimentação. Seu amigo Big Bill, que trabalhou com ele na linha de montagem apertando parafusos, ao ser despedido, acabou optando pela marginalidade mais radical, se juntando a outros desempregados armados para assaltar a Loja de Departamentos.

Quer dizer, o caminho trilhado pelos excluídos vai do pequeno furto ao assalto a mão-armada, e Chaplin mostra desta forma como esta marginalidade é construída socialmente. Isto é, a sociedade é que cria o marginal. A marginalidade é fruto da sociedade excludente, que deixa a maioria sem qualquer possibilidade de sobrevivência e de dignidade, e não uma opção individual de pessoas mal formadas social e psicologicamente.

Além do que, para aumentar a dificuldade do trabalhador, com novas tecnologias sendo incorporadas cada vez mais rapidamente ao processo produtivo, ou ele especializa sua mão-de-obra ou se torna um verdadeiro Pária. Chaplin mostra bem essa dificuldade quando Carlitos fica no emprego que conseguiu no estaleiro apenas dois minutos.

Chaplin aborda ainda, questões como: A convivência de Carlitos (um operário honesto) com grandes marginais, fato que nos leva à reflexão sobre o sistema penitenciário e a escola do crime que se tornou; a idéia de que o patrão tudo pode e tudo vê, com o patrão conseguindo espiar Carlitos até quando ele vai ao banheiro, dando a entender que não adianta lutar contra ele, pois é muito mais forte do que você; a idéia de Exército Industrial de Reserva, onde havia pelo menos uma centena de operários disputando uma vaga, o que facilita e viabiliza a exploração do trabalho por parte do patrão; a máquina alimentadora Bellows coloca a discussão de como o sistema pode chegar à limites inimagináveis para explorar a mão-de-obra, economizando tempo e dinheiro com seus empregados, desconsiderando sua condição humana, já que a máquina alimentadora não foi incorporada ao sistema produtivo apenas porque não era prática; a existência da Heterogestão, quer dizer, o processo industrial se organiza por uma gestão dividida em vários níveis hierárquicos, onde trabalhadores acabam oprimindo outros trabalhadores em nome dos interesses do capital (tem o chefe do chefe do chefe); o Fetiche que as mercadorias representam para as pessoas, até mesmo para aquelas que não podem comprar, apesar de ter ajudado a produzi-las; a idéia de Ordem, colocando como caso de polícia os movimentos reivindicatórios da maioria e como desordeiros seus líderes; a idéia de que fazer o bem é não atentar contra o interesse do capital, está expressa na fala do diretor da penitenciária que diz a Carlitos: Agora saia e faça o bem!

Diante de um barraco construído com tábuas podres, em um pântano, Carlitos explode em felicidade: é o paraíso !!!! No final, de mãos dadas com sua namorada, Carlitos está diante de uma estrada longa, empoeirada, em cujo final espera construir uma vida mais digna. Que estrada seria essa ?

PROPOSTA DE TRABALHOS

1- Refaça o roteiro do filme a partir do momento em que os dois personagens principais foram presos. Reconstitua a vida deles depois da prisão, considerando a vida real .

2- Analise algum ponto importante do filme, que não foi abordado nesta análise ou foi abordada de forma superficial e incompleta.

3 – Na sua concepção, os personagens caminham para onde? Para onde vai levar a estrada que aparece no final do filme?

Smile


Smile

(Charles Chaplin)
Smile, though your heart is aching
Smile, even though it's breaking
When there are clouds in the sky
You'll get by
If you smile through your fear and sorrow
Smile! and may be tomorrow
You'll see the sun come shining thru
For you
Light up your face with gladness
Hide every trace of sadness
Although a tear
May be ever so near
That's the time you must keep on trying
Smile! what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile
If you just smile
Essa música fez muito sucesso mundo afora. Ficou muito conhecida inclusive no Brasil, principalmente depois que o compositor brasileiro João de Barro, o Braguinha, fez uma versão em português de Smile com o título de SORRI. Em 1996, Djavan incorporou a versão de Braguinha ao seu disco Malásia.

Sorri (Smile)

Versão: João De Barro

Sorri
Quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos, vazios
Sorri
Quanto tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri
Quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados, doridos
Sorri
Vai mentindo a tua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz

"SINAL FECHADO"

A canção Sinal fechado foi escrita por Paulinho da Viola. Com ela, ganhou o V Festival da Record em 1969. Alguns anos depois foi regravada por Fagner, fazendo muito sucesso. Sinal fechado é um verdadeiro retrato da correria do dia-a-dia da vida moderna. Um autor, do qual infelizmente não tenho referências, disse o seguinte a respeito da música de Paulinho da Viola: "Poema articulado por meio de uma linguagem fragmentada, telegráfica e clicherizada, Sinal fechado retrata um cotidiano que tem na pressa de cada um a conquista de motivos individuais e particulares. Já não se canta mais a esperança de dias que virão, já não se canta mais o amor. Canta-se apenas a perda no dia-a-dia, daquilo que em algum tempo foi conquistado".

SINAL FECHADO

- Olá, como vai?

- Eu vou indo e você, tudo bem?

- Tudo bem, eu vou indo, correndo, pegar mmeu lugar no futuro, e você?

- Tudo bem, eu vou indo, em busca de um soono tranqüilo, quem sabe?

- Quanto tempo ...

- Pois é, quanto tempo ...

- Me perdoe a pressa.. é a alma dos nossoss negócios

- Qual, não tem de quê. Eu também só ando a cem ...

- Quando é que você telefona? Precisamos nnos ver por aí,

- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos,, quem sabe?

- Quanto tempo ...

- Pois é, quanto tempo ...

- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas euu sumi na poeira das ruas

- Eu também tenho algo a dizer, mas me fogge à lembrança

- Por favor telefone, eu preciso beber algguma coisa, rapidamente,

- Pra semana ...

- O sinal ...

- Eu procuro você

- Vai abrir, vai abrir

- Prometo, não esqueço

- Por favor, não esqueça, não esqueça

- Adeus... adeus...

"A CIDADE E AS SERRAS"

O texto abaixo é um fragmento do livro “A cidade e as serras”, de Eça de Queirós, publicado em 1901, após a morte de seu autor. Nele, o personagem Zé Fernandes filosofa a respeito do conceito de cidade e dos tempos modernos, tentando convencer Jacinto dos males trazidos por essa nova concepção de vida adotada pelo ser humano nos últimos tempos. Jacinto é um grande amigo de Zé Fernandes e, até então, um grande defensor da correria da vida moderna.

A CIDADE E AS SERRAS

“(...) E Jacinto, por impulso bem Jacíntico, caminhou gulosamente para a borda do terraço, a contemplar Paris. Sob o céu cinzento, na planície cinzenta, a cidade jazia, toda cinzenta, como uma vasta e grossa camada de caliça e telha. E, na sua imobilidade e na sua mudez, algum rolo de fumo, mais tênue e ralo que o fumear dum escombro mal apagado, era todo o vestígio visível da sua vida magnífica.

Então chasqueei risonhamente o meu Príncipe. Aí estava pois a cidade, augusta criação da humanidade. Ei-la aí, belo Jacinto! Sobre a crosta cinzenta da Terra – uma camada de caliça, apenas mais cinzenta! No entanto ainda momentos antes a deixáramos prodigiosamente viva, cheia dum povo forte, com todos os seus poderosos órgãos funcionando, abarrotada de riqueza, resplandecente de sapiência, na triunfal plenitude do seu orgulho, como Rainha do Mundo coroada de Graça. E agora eu e o belo Jacinto trepávamos a uma colina, espreitávamos, escutávamos – e de toda a estridente e radiante Civilização da cidade não percebíamos nem um rumor nem um lampejo! E o 202, o soberbo 202, com os seus arames, os seus aparelhos, a pompa da sua Mecânica, os seus trinta mil livros? Sumido, esvaído na confusão de telha e cinza! Para este esvaecimento pois da obra humana, mal ela se contempla de cem metros de altura, arqueja o obreiro humano em tão angustioso esforço? Hem, Jacinto?... Onde estão os teus Armazéns servidos por três mil caixeiros? E os Bancos em que retine o ouro universal? E as Bibliotecas atulhadas com o saber dos séculos? Tudo se fundiu numa nódoa parda que suja a Terra. Aos olhos piscos de um Zé Fernandes, logo que ele suba, fumando o seu cigarro, a uma arredada colina – a sublime edificação dos Tempos não é mais que um silencioso monturo da espessura e da cor do pó final. O que será então aos olhos de Deus!

E ante estes clamores, lançados com afável malícia para espicaçar o meu Príncipe, ele murmurou, pensativo:

-Sim, é talvez tudo uma ilusão... E a cidade a maior ilusão!

Tão facilmente vitorioso redobrei de facúndia. Certamente, meu Príncipe, uma ilusão! E a mais amarga, porque o homem pensa ter na cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trêmulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem febre, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pôde reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na Cidade findou a sua liberdade moral; cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência; pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; e rico e superior como um Jacinto, a sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel... A sua tranqüilidade (bem tão alto que Deus com ele recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugida rodela de ouro! Alegria como a haverá na cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar – e que, nunca fartando o desejo, incessantemente padecem de desilusão, desesperança ou derrota? Os sentimentos mais genuinamente humanos logo na cidade se desumanizam! Vê, meu Jacinto! São como luzes que o áspero vento do viver social não deixa arder com serenidade e limpidez; e aqui abala e faz tremer; e além brutamente apaga; e adiante obriga a flamejar com desnaturada violência. As amizades nunca passam de alianças que o interesse, na hora inquieta da defesa ou na hora sôfrega do assalto, ata apressadamente com um cordel apressado, e que estalam ao menor embate da rivalidade ou do orgulho. E o amor, na cidade, meu gentil Jacinto? Considera esses vastos armazéns com espelhos, onde a nobre carne de Eva se vende, tarifada ao arrátel, como a de vaca! Contempla esse velho Deus do Himeneu, que circula trazendo em vez do ondeante facho da Paixão a apertada carteira do dote! Espreita essa turba que foge dos largos caminhos assoalhados em que os Faunos amam as Ninfas na boa lei natural, e busca tristemente os recantos lôbregos de Sodoma ou de Lesbos!... Mas o que a cidade mais deteriora no homem é a inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância. Nesta densa e pairante camada de idéias e fórmulas que constitui a atmosfera mental das cidades, o homem que a respira, nela envolto, só pensa todos os pensamentos já pensados, só exprime todas as expressões já exprimidas: - ou então, para se destacar na pardacenta e chata Rotina e trepar ao frágil andaime da gloríola, inventa num gemente esforço, inchando o crânio, uma novidade disforme que espante e que detenha a multidão como um monstrengo numa feira. Todos, intelectualmente, são carneiros, trilhando o mesmo trilho, balando o mesmo balido, com o focinho pendido para a poeira onde pisam, em fila, as pegadas pisadas; - e alguns são macacos, saltando no topo de mastros vistosos, com esgares e cabriolas. Assim, meu Jacinto, na cidade, nesta criação tão antinatural onde o solo é de pau e feltro e alcatrão, e o carvão tapa o céu, e a gente vive acamada nos prédios como o paninho nas lojas, e a claridade vem pelos canos, e as mentiras se murmuram através de arames – o homem aparece como uma criatura anti-humana, sem beleza, sem força, sem liberdade, sem riso, sem sentimento, e trazendo em si um espírito que é passivo como um escravo ou impudente como um Histrião... E aqui tem o belo Jacinto o que é a bela Cidade!

E ante estas encanecidas e veneráveis invectivas, retumbadas pontualmente pôr todos os Moralistas bucólicos, desde Hesíodo, através dos séculos – o meu Príncipe vergou a nuca dócil, como se elas brotassem, inesperadas e frescas, duma revelação superior, naqueles cimos de Montmartre:

-Sim, com efeito, a cidade... É talvez uma ilusão perversa!

Insisti logo, com abundância, puxando os punhos, saboreando o meu fácil filosofar. E se ao menos essa ilusão da cidade tornasse feliz a totalidade dos seres que a mantém... Mas não! Só uma estreita e reluzente casta goza na cidade os gozos especiais que ela cria. O resto, a escura, imensa plebe, só nela sofre, e com sofrimentos especiais que só nela existem! Deste terraço, junto a esta rica Basílica consagrada ao coração que amou o pobre e por ele sangrou, bem avistamos nós o lôbrego casario onde a plebe se curva sob esse antigo opróbrio de que nem religiões, nem filosofias, nem morais, nem a sua própria força brutal a poderão jamais libertar! Aí jaz, espalhada pela cidade, como esterco vil que fecunda a cidade. Os séculos rolam; e sempre imutáveis farrapos lhe cobrem o corpo, e sempre debaixo deles, através do longo dia, os homens labutarão e as mulheres chorarão. E com este labor e este pranto dos pobres, meu Príncipe, se edifica a abundância da cidade! Ei-la agora coberta de moradas em que eles se não abrigam; armazenada de estofos, com que eles se não agasalham; abarrotada de alimentos, com que eles se não saciam! Para eles só a neve, quando a neve cai, e entorpece e sepulta as criancinhas aninhadas pelos bancos das praças ou sob os arcos das pontes de Paris... A neve cai, muda e branca na treva; as criancinhas gelam nos seus trapos; e a polícia, em torno, ronda atenta para que não seja perturbado o tépido sono daqueles que amam a neve, para patinar nos lagos do Bosque de Bolonha com peliças de três mil francos. Mas quê, meu Jacinto! a tua civilização reclama insaciavelmente regalos e pompas, que só obterá, nesta amarga desarmonia social, se o Capital der Trabalho, pôr cada arquejante esforço, uma migalha ratinhada. Irremediável, é, pois, que incessantemente a plebe sirva, a plebe pene! A sua esfalfada miséria é a condição do esplendor sereno da cidade. Se nas suas tigelas fumegasse a justa ração de caldo – não poderia aparecer nas baixelas de prata a luxuosa porção de foie-gras e túbaras que são o orgulho da civilização. Há andrajos em trapeiras – para que as belas Madamas de Oriol, resplandecentes de sedas e rendas, subam em doce ondulação, a escadaria da ópera. Há mãos regeladas que se estendem e beiços sumidos que agradecem o dom magnânimo dum sou - para que os Efrains tenham dez milhões no Banco de França, se aqueçam à chama rica da lenha aromática, e surtam de colares de safiras as suas concubinas, netas dos duques de Atenas. E um povo chora de fome, e da fome dos seus pequeninos – para que os Jacintos, em Janeiro, debiquem, bocejando, sobre pratos de Saxe, morangos gelados em Champagne e avivados dum fio de éter!

-E eu comi dos teus morangos, Jacinto! Miseráveis, tu e eu!

Ele murmurou, desolado:

-É horrível, comemos desses morangos... E talvez por uma ilusão!

Pensativamente deixou a borda do terraço, como se a presença da cidade, estendida na planície, fosse escandalosa. E caminhamos devagar, sob a moleza cinzenta da tarde, filosofando – considerando que para esta iniqüidade não havia cura humana, trazida pelo esforço humano. Ah, os Efrains, os Trèves, os vorazes e sombrios tubarões do mar humano, só abandonarão ou afrouxarão a exploração das plebes, se uma influência celeste, pôr milagre novo, mais alto que os milagres velhos, lhes converter as almas! O burguês triunfa, muito forte, todo endurecido no pecado – e contra ele são impotentes os prantos dos humanitários, os raciocínios dos lógicos, as bombas dos anarquistas. Para amolecer tão duro granito só uma doçura divina. Eis pois esperança da terra novamente posta num Messias!... Um decerto desceu outrora dos grandes céus; e, para mostrar bem que mandado trazia, penetrou mansamente no mundo pela porta dum curral. Mas a sua passagem entre os homens foi tão curta! Um meigo sermão numa montanha, ao fim duma tarde meiga; uma repreensão moderada aos Fariseus que então redigiam o Boulevard; algumas vergastadas nos Efrains vendilhões; e logo, através da porta da morte, a fuga radiosa para o Paraíso! Esse adorável filho de Deus teve demasiada pressa em recolher a casa de seu Pai! E os homens a quem ele incumbira a continuação da sua obra, envolvidos logo pelas influências dos Efrains, dos Trèves, da gente do Boulevard, bem depressa esqueceram a lição da Montanha e do lago de Tiberíade – e eis que pôr seu turno revestem a púrpura, e são Bispos, e são Papas, e se aliam à opressão, e reinam com ela, e edificam a duração do seu Reino sobre a miséria dos sem-pão e dos sem lar! Assim tem de ser recomeçada a obra da Redenção. Jesus, ou Guatama, ou Cristna, ou outro desses filhos que Deus pôr vezes escolhe no seio duma Virgem, nos quietos vergéis da Ásia, deverá novamente descer à terra de servidão. Virá ele, o desejado? Porventura já algum grave rei do Oriente despertou, e olhou a estrela, e tomou a mirra nas suas mãos reais, e montou pensativamente sobre o seu dromedário? Já pôr esses arredores da dura Cidade, de noite, enquanto Caifás e Madalena ceiam lagosta no Paillard, andou um Anjo, atento, num vôo lento, escolhendo um curral? Já de longe, sem moço que os tanja, na gostosa pressa dum divino encontro, vem trotando a vaca, trotando o burrinho?

-Tu sabes, Jacinto?

Não, Jacinto não sabia – e queria acender o charuto. Forneci um fósforo ao meu Príncipe. Ainda rondamos no terraço, espalhando pelo ar outras idéias sólidas que no ar se desfaziam. Depois penetrávamos na Basílica – quando um Sacristão nédio, de barrete de veludo, cerrou fortemente a porta, e um Padre passou, enterrando na algibeira, com um cansado gesto final e como para sempre, o seu velho Breviário.”

Homem: uma máquina quase perfeita

(por Danúbia Alegre)


O último filme mudo produzido por Charles Chaplin focaliza a vida urbana nos Estados Unidos (EUA) logo após a crise de 1929, quando a depressão atingiu toda sociedade, levando assim grande parte da população ao desemprego e a fome. O filme retrata a sociedade industrial que tem a vida baseada no sistema de linha de produção e especialização do trabalho, fazendo uma critica a modernidade e ao capitalismo, sendo representada pela industrialização na qual o operário é engolido pelo poder do capital.

Em tempos de depressão, trabalhadores de uma indústria eram moldados para trabalhar de forma quase escrava e mecânica numa rotina que deixava os operários em estado depressivo, pois a jornada de trabalho era longa e cansativa, sendo assim eram submetidos a uma sociedade capitalista industrial.

O proletariado era explorado sem nenhum direito, alimentando o conforto e a diversão da burguesia. Como exemplo disto podemos citar a cena em que Carlitos e a menina conversam no jardim de uma casa sonhando em ter uma casinha para viverem as suas vidas, cena que ilustra bem essa questão.

Trabalhadores escravizados nas indústrias, pouco ou sem valor algum dentro de seu ambiente de trabalho, sendo muitas vezes humilhados, explorados sem receber qualquer tipo de reconhecimento pelo desempenho na sua função. Sem o direito de um beneficio qualquer, trabalhando como verdadeiras máquinas. Em decorrência disto ocorreram várias greves nesse período, com isso as empresas tiveram que fechar as suas portas durante a crise de depressão, levando muitas famílias ao desemprego.

Grevistas organizavam manifestações nas ruas exigindo melhores condições de trabalho. E eles conseguiram, pois o Estado de certa forma foi pressionado pela massa dos servidores a normaliza algumas leis para beneficiar o trabalhador, fazendo que as indústrias avaliassem melhor a maneira de conduzir as empresas e os empregados.

Problemas como esses que passaram os EUA durante a penosa crise de 1929, ou crise da depressão, como o trabalho escravo, o desrespeito ao trabalhador, greves, desempregos, enfim situações que atingiram vários países no início da modernização e atingem de certa forma os dias atuais.

Com todos os problemas que ocorreram podemos dizer que a peça primordial em um processo de modernização é o trabalhador, devidamente valorizado com seus direitos assegurados e respeitados.

É importante e fundamental que o trabalhador não esqueça o valor que tem, conheça os seus direitos e deveres, pois é aí que irá fazer a diferença na sociedade.



Danúbia Alegre é estudante de Gestão em Recursos
Humanos da Faculdade ICEC - Instituto Cuiabá de
Ensino e Cultura de Cuiabá - MT.
E-mail: danubia.alegre@gmail.com

Neste blog são encontrados artigos, ensaios, textos diversos, sendo alguns escritos pelo dono do blog. Tais textos trazem como tema o filme Tempos Modernos em si e/ou a temática do mesmo, que é a modernidade e suas consequências para a vida humana. Aqui também é o espaço para os que desejam publicar textos a respeito de Tempos Modernos ou do tema abordado por ele. Para tanto, é preciso apenas enviar um e-mail para deogus@yahoo.com.br . É importante que se saiba, no entanto, que todos os textos enviados serão previamente lidos antes de serem publicados no blog.

sábado, 12 de setembro de 2009



Olá, meu nome é Diogo Ribeiro e sou o produtor deste blog.
Nasci em Brasília no dia 17 de agosto de 1977 e moro na capital federal desde então.
Sou Bacharel e Licenciado em Letras Português pela Universidade de Brasília - UnB. Graças a tal curso conheci a minha linda esposa Estela, afinal, a Licenciatura na UnB rendeu-me o emprego de professor numa escola de Ensino Médio da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Nada a ver? Explico-me: ela trabalha na mesma escola que eu, o CEM 1 de São Sebastião. Foi lá que a vi pela primeira vez para amá-la sempre.

Os textos encontrados neste site foram retirados de um trabalho que eu fiz e apresentei na Universidade de Brasília no curso de História do Cinema, no primeiro semestre de 2000. Já as fotos foram retiradas da própria Internet, por meio de pesquisas em diversas páginas durante a elaboração do trabalho. Caso alguma foto tenha sido retirada do seu site e você tenha alguma objeção quanto a isso, envie-me um e-mail para que eu possa retirá-la da minha página.
A idéia de colocar o meu trabalho na Internet surgiu depois de muito pesquisar e pouco encontrar informações específicas sobre o filme Tempos Modernos na Rede Mundial de Computadores.

Como os primeiros filmes de Chaplin, que utilizaram uma tecnologia de filmagem que muitas pessoas consideram ultrapassada hoje, o meu site original também foi produzido por meio de uma tecnologia ultrapassadíssima na Internet atual: código HTML puro digitado no Bloco de Notas do Windows... Deu muito trabalho, mas valeu a pena! O site (que ficava hospedado no endereço http://br.geocities.com/temposmodernos_de_chaplin) teve de sair do ar, infelizmente, pois o Yahoo! desistiu de continuar com o tradicionalíssimo site de hospedagens gratuitas Geocities. Assim, a partir de outubro de 2009, após nove anos no ar, o meu site sobre o filme Tempos Modernos foi despejado, mas encontrou abrigo aqui no Blogspot.
Se você quiser ajudar a enriquecer o site com sugestões, discussões, críticas, ensaios seus sobre o filme, envie-me um e-mail. O endereço é o seguinte:
deogus@yahoo.com.br .

Muito obrigado pela visita! Volte sempre!